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Tunica Teixeira: uma das pioneiras da sonoplastia do teatro paulistano

Tunica, que se considera pesquisadora musical, diretora musical e sonoplasta, colaborou artisticamente em mais de 300 trilhas sonoras para teatro, além de fazer trabalhos em eventos, no cinema, na televisão, no rádio. Foi, também, diretora de teatro. Amplia os conhecimentos da sonoplastia que, atualmente, é responsável por diversas funções na composição de um espetáculo: a criação, a gravação, a sonorização e a operação de som. Foi responsável pela formação de muitos técnicos e técnicas que ensinou para auxiliá-la e dividir suas criações ao longo de seus 48 anos de profissão.

Maria Antonia Ferreira Teixeira, mais conhecida como Tunica Teixeira, nasceu em 1949, no dia de 3 de outubro, em Santos, no litoral paulista. Chegou novinha na capital, com apenas três meses de idade.  Teve sua primeira formação educacional no Colégio Notre Dame, das freirinhas francesas como ela carinhosamente as retratavam. Não fez nem o científico e nem o normal, fez o clássico.  Não se formou para ser professora, mas terminando seus primeiros estudos em 1967, se descobriu amante das artes, local onde aprendeu a fazer jornais, programas de rádio, tocar piano e violão. Não sabia que anos depois se tornaria, por acaso, uma das pioneiras da sonoplastia do teatro paulistano.

 

Tunica inicia sua formação artística entrando na segunda turma do curso de rádio e TV do ECC/USP (Escola de Comunicações Culturais na Universidade de São Paulo) que depois veio a se chamar ECA/USP (Escola de Comunicação e Artes). Nos duros anos de 1968, a ECA é interditada, e sem as aulas os alunos se encontravam nos corredores para discutir sobre vários assuntos da atualidade. Foi quando teve a oportunidade de conhecer Miroel Silveira (diretor, teatrólogo, ensaísta, tradutor) com quem comenta seu gosto pelo teatro e pela música.  Miroel, como bom articulador cultural, a convida para participar das aulas na EAD (Escola de Artes Dramáticas) um local que poderia aproveitar seus estudos enquanto a ECA estava ocupada. Tunica começa a frequentar, todas as noite, as aulas na EAD e deixa inconcluso seu curso de Rádio e TV na ECA .


Conhece o Dr. Alfredo Mesquita, fundador da EAD, de quem se tornou amigo e grande admiradora. Inicia-se, assim, sua paixão pelo teatro e, com seus novos mestres, cria e opera as trilhas sonoras dos espetáculos de final de ano e alguns trabalhos de conclusão de curso. Permaneceu na USP de 1968 a 1974, realizando mais de uma centena de trilhas sonoras. Em 1971, fez sua primeira trilha sonora como sonoplasta profissional para o espetáculo “Corpo a Corpo” de Oduvaldo Viana Filho e direção de Antunes Filho.


Quando começou a fazer trilha sonora para teatro, em 1968, a profissão de sonoplasta de teatro ainda não era reconhecida. Somente em 1978, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de  São Paulo (SATED) regulamenta a profissão com a seguinte descrição: o sonoplasta é aquele que “elabora o fundo musical,  ao vivo ou gravados,  selecionando músicas e efeitos adequados ao texto e de comum acordo com a equipe de criação; pesquisa as músicas para montar a trilha sonora; pode operar a mesa de controle produzindo os efeitos planejados  ou ensaia o operador”.


Curiosamente em 1973, Tunica Teixeira, que desconhecia a importância desta profissão na construção dramatúrgica e sonora de um espetáculo, por que não havia ninguém que tivesse realizado esta função, recebe um diploma do Conselho Estadual de Cultura o Prêmio Governador do Estado na categoria de melhor “Cenotécnico” do teatro profissional pela melhor trilha sonora.  Antes as trilhas sonoras eram realizadas “ao vivo” ou os próprios diretores ou ensaiadores das peças escolhiam as músicas e algum assistente inseria no espetáculo, em discos, utilizando-se de toca-discos.


Em 1975, Tunica trabalha como técnica de áudio no SESC Consolação/SP, e começa a estudar e operar o som para alguns espetáculos que estavam em cartaz no Teatro Anchieta. Ganha uma bolsa de estudos, oferecida pelo do SESC-SP e durante três meses participa do curso: “Stage Sound and Electronic Music for Beginners” na Cockpit Arts and Workshop, em Londres, Inglaterra.

“Ser Dj, também é uma de suas facetas. As festas e baladas conduzidas por ela são famosas há muito tempo. O seu conhecimento musical é tão profundo quanto abrangente. A perspicácia e o humor dão-lhe a desenvoltura necessária para atuar em qualquer ambiente e para qualquer público”, diz Aline Meier, sua parceira por décadas em diversas trilhas sonoras.

 

Amante da rádio, produziu alguns programas a partir do seu acervo e de seu conhecimento vasto sobre teatro, música e religião. Voltado para as artes, produziu e editou 5 programas que intitulou: “Antes que eu me esqueça “e alguns programas religiosos na rádio Harmonia denominado “Pode Crê”.

 

Em 1988, ganhou o prêmio da Bolsa Vitae e começou a traçar a história da sonoplastia no teatro paulistano e entrevistou vários artistas do teatro para escrever a origem e algumas possibilidades de se criar trilhas sonoras no teatro. Entre os artistas que entrevistou para comentar sobre a música de cena estão: maestro Paulo Herculano, Fauzi Arap, José Renato, Renato Pagliaro, Samuel Kerr, Raul Teixeira, Maria Thereza Vargas, Sebastião Ribeiro, Zero Freitas, Gianni Ratto, maestro Júlio Medaglia, Ailton Graça, Fernanda Brancovic, entre outros.

 

Tunica, que se considera pesquisadora musical, diretora musical e sonoplasta, colaborou artisticamente em mais de 300 trilhas sonoras para teatro, além de fazer trabalhos em eventos, no cinema, na televisão, no rádio. Foi, também, diretora de teatro. Amplia os conhecimentos da sonoplastia que, atualmente, é responsável por diversas funções na composição de um espetáculo:  a criação, a gravação, a sonorização e a operação de som. Foi responsável pela formação de muitos técnicos e técnicas que ensinou para auxiliá-la e dividir suas criações ao longo de seus 48 anos de profissão.

 

Ao longo de sua carreira teatral, recebeu vários prêmios: um prêmio Governador do Estado, quatro prêmios APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e onze prêmios APETESP (Associação dos Produtores de Teatro do Estado de São Paulo), entre outros prêmios.

 

Juntamente com Aline Meyer, em 1996, recebeu os prêmios: Prêmio Shell de melhor trilha sonora para teatro pelo espetáculo “Cenas de um Casamento” de Ingmar Bergman, direção de Vivien Buckup; o prêmio APETESP de melhor trilha sonora para teatro infantil por “Sherazade”, direção de Francisco Medeiros. Em 1998, o Prêmio Shell de melhor trilha sonora para teatro pelos espetáculos “Santidade” e “Caixa 2”, ambos dirigidos por Fauzi Arap.

 

Aline Meyer, que trabalhou ao seu lado e aprendeu o ofício de sonoplasta com a Tunica, comenta:

 

“A Tunica era uma pessoa extremamente inteligente, atenta, curiosa e de um conhecimento amplo sobre todos os temas, que foi adquirindo durante a sua vida, e principalmente, um conhecimento musical que foi importante para a sua profissão. Ela conhecia muita coisa. Quando trabalhava numa peça de teatro, era muito rápida para detectar o que precisava ser dito com som, ou o que não precisava ser dito, ou o que o texto tinha que dizer com o som ou com a palavra. Esta habilidade e percepção do som para revelar ou justamente esconder era uma das qualidades artísticas da Tunica. Descobrir os subtextos, das coisas não ditas de um texto, ela conseguia perceber e expressar pela música, som ou ruído. E estas descobertas vinham muitas vezes com as conversar com os diretores dos espetáculos, de coisas do texto que eles não tinham percebido.

Tunica não era compositora, mas tinha um universo sonoro de composição riquíssimo, e tudo que ela podia criar com esses sons, que tinha na cabeça, ela criava. Era alucinada em como fazer o que a gente chama de cenário sonoro, a construção de grandes paisagens sonoras, numa narrativa que fosse contada pelo som. A outra habilidade era compor suas trilhas sonoras baseada no texto, tanto do teatro dramático como da comédia. Ela percebia exatamente os momentos quando um efeito, uma música, um ruído podiam fazer parte da narrativa com as intervenções, as ilustrações sonoras, ou quando desejava enfatizar algum elemento do texto ou da cena.


Era muito criteriosa, e as noções de ritmo de um espetáculo, fazia parte de suas qualidades nas suas trilhas sonoras. Ela ensinava assim:  aqui você está acelerando o espetáculo, aqui você está ralentando, aqui você vai fazer uma “barriga” com o som. Se movia dentro do texto como um maestro regendo sua orquestra. Uma pesquisadora incansável.


Ela ouvia suas composições de manhã, ouvia de novo à tarde, ouvia duas vezes, ouvia tomando café, ouvia enquanto falava no telefone, ouvia, ouvia, ouvia. Ela não parava de retocar. No tempo das gravações no gravador de rolo, cada vez que a gente tinha que regravar algum detalhe que desejava mudar, era uma encrenca, mas com as gravações digitais ficou mais divertido e rápido.”


Atualmente, a sonoplastia no teatro existe e tem suas funções estabelecidas e reconhecidas devido ao legado e dedicação com que Tunica, na sua trajetória, pôde experimentar, estudar e disponibilizar para quem exerce esta profissão.  Sua generosidade, inteligência, humor, paciência, sensibilidade, curiosidade e conhecimentos sobre todas as matérias em torno da cultura, faz com que seu trabalho tenha a qualidade de sua paixão pela música e pelo texto. Sou muito grato a Tunica, porque sigo seus passos para e contribuir na formação de novos sonoplastas e na criação de minhas trilhas sonoras, ensinamentos que aprendi com esta mestra que despertou para o teatro brasileiro a importância da sonoplastia nos espetáculos teatrais. 

 

Tunica Teixeira faleceu no dia 6 de julho de 2019, aos 69 anos, deixando um legado para estória da sonoplastia no teatro, que ainda não foi escrita.


Raul Teixeira

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