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Projeto Arquivos Sonoros de Teatro

Passos ecoados, conversas cochichadas, risadas abafadas, espirros ocasionais, toques de celular rapidamente desligados. Três badaladas reverberam mergulhando a sala no silêncio da escuridão. Em poucos instantes, um som efervesce do fundo do palco pouco iluminado, uma melodia, um estrondo, uma voz – a materialização de um espetáculo único que se performa diante dos olhos e ouvidos de todos presentes na sala. O desabrochar desse fenômeno também não tarda a ocorrer: aplausos fervorosos, agradecimentos e as cortinas grossas que se fecham junto com o ciclo efêmero de uma peça.

A beleza fugidia é a própria “Aura” do espetáculo, conferindo-lhe singularidade e replicabilidade; porém, impondo desafios à atividade documentativa e pesquisas futuras.


A projeto “Arquivos Sonoros de Teatro”, dirigido pela pesquisadora Rafaella Uhiara, atém-se especificamente ao estudo sonoplástico do espetáculo teatral, abrangendo desde o estudo sobre palavras e conceitos até a utilização de documentos e materiais relativos ao tema por artistas, ultrapassando as esferas acadêmicas e atingindo diretamente a produção cultural de um futuro próximo.


A pesquisa será dividida em quatro eixos principais: um primeiro dedicado ao vocabulário e aos conceitos do som do teatro; um segundo, ao estudo do processo de criação sonora, para que se compreenda quais arquivos são gerados, por quais agentes e como interpretá-los; um terceiro, ao estudo da constituição de acervos multimídia, que inter relacionam documentos em diferentes suportes, e, por fim, um quarto e último eixo é voltado para o uso de arquivos sonoros em cena e em processos criativos, estudo que visa aproximar os arquivos e as comunidades técnica e artística.


Eixo 1:


O primeiro eixo se volta à questão básica para a fundação dessa pesquisa: a definição de palavras e conceitos. A pesquisa em andamento conduzida pelo projeto internacional de glossário do som teatral demonstra como a comparação interdisciplinar e interlinguística revela aspectos peculiares e interessantes sobre a percepção do componente semiótico em diferentes tradições teatrais. Um exemplo notável desse estudo é a análise do termo "sonoplastia", que, ao contrário das línguas latinas, parece ser exclusivamente brasileiro. Uma hipótese em fase de investigação sugere que esse termo pode ter sido criado para distinguir dois profissionais de áudio em contratos de trabalho das rádios.


Para a realização desses estudos, o projeto conta com uma parceria com a École Universitaire de Recherche Translitterae oficial, que continua as pesquisas iniciadas pelo LabEx Transfers, no qual foi criado o projeto de glossário internacional do som do teatro. Sendo assim, a equipe contará não apenas com o diálogo com pesquisadores experientes na área, mas também com a participação deles em atividades deste projeto e vice-versa.


Eixo 2:


O segundo eixo é dedicado à outra questão básica: quais são factualmente os documentos sonoros de um espetáculo? Um ponto fundamental deve ser levado em consideração: o de que a composição sonora de um espetáculo é polifônica, ou seja, ela é composta a muitas mãos por músicos, sonoplastas, atores, dramaturgos, tradutores, diretores etc.

O projeto tem o privilégio de contar com a participação da Marie-Madeleine Mervant-Roux, que não só se dedicou à pesquisa do som do teatro, mas também é uma referência em “genética teatral”, sendo coautora, junto com Almuth Grésillon e Dominique Budor, de uma das principais obras sobre o tema: Genèses théâtrales (Paris: CNRS Éditions, 2010). A interlocução com a pesquisadora é de interesse mútuo: o projeto poderá se basear na experiência da pesquisadora, e ela, por sua vez, poderá ver a aplicação do cruzamento de duas de suas pesquisas, em outro contexto cultural.


Eixo 3:


Tratando-se de um projeto dedicado a arquivos sonoros de teatro, é inevitável haver um eixo de estudos de conservação e arquivos propriamente ditos. Inicialmente, o projeto partirá dos estudos desenvolvidos pela o laboratório que desenvolveu a pesquisa pioneira sobre a dimensão sonora do teatro, a Unidade Mista de Pesquisa THALIM (Teoria e História das Artes e Literaturas da Modernidade)vi, vinculada a três importantes instituições francesas: o CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique)vii, a ENS (École Normale Supérieure)viii e a Université Sorbonne Nouvelle. No Brasil, a pesquisa se verá também na função de suprir a lacuna deixada pela ausência de políticas de conservação equivalentes, criando meios de valorizar, disponibilizar, conservar – e, principalmente, não perder – os ricos documentos sonoros que ainda existem. 


Eixo 4:


O quarto e último eixo é dedicado ao estudo do uso artístico de arquivos sonoros. Um primeiro uso a ser considerado é o do documento sonoro utilizado em cena tal qual, tendência que pode ser observada em espetáculos ditos “documentários”. O segundo é o arquivo como inspiração para a criação artística, modo de criação muito utilizado pelo coletivo grego Medea Electronique, do qual três membros fazem parte de nosso projeto (Angeliki Poulou, Manolis Manousakis e Eric Lewis) e trarão as experiências e provocações para fomentar as discussões. Este eixo é importante para aproximar os arquivos sonoros dos alunos do departamento, artistas e técnicos, em geral. Além disso, essa aproximação será essencial para a compreensão de como organizar e apresentar esses arquivos de modo útil e inspirador para todos esses potenciais usuários.



A polifonia desse projeto não se restringe ao som, mas também às mãos que trabalham nele; a diversidade de pesquisadores, bolsistas, funcionários e voluntários é o que o enriquece intelectualmente. Futuramente, será anunciada a liberação de bolsas abrangendo desde alunos da graduação, até pós-graduandos em diversas áreas do conhecimento.


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